O dia seguia na correria de sempre, mais um dia, um dia a mais
ou a menos, nada fora do comum. Pessoas se esbarrando, sem pedir desculpa ou
licença. Mulheres reclamando de falta de atenção ou excesso dela. Homens
comentando o placar do futebol e julgando o juiz. A insatisfação de sempre,
enquanto o sol irrita e a felicidade se camufla. Mas espera um pouco, quem é a
menina de vestido? Gosto do florido, desse clima de verão envolvendo o corpo
cansado. Interessante o cabelo voando, escondendo um sorriso cheio e
atrapalhando aquele olhar vazio. Por que ela sorri? O dia tá insuportável e pra
completar é segunda-feira. Impossível não reparar na moça, no contraste do
batom vermelho e o colorido do vestido, sutil e marcante. Talvez não seja a
roupa ou a maquiagem, mas essa tranquilidade no meio do caos, esse brilho nas
ruas cinzas, por que, menina? Como ela consegue? Muitos olhavam, comentavam, se
inquietavam, até que uma menina de no máximo dezoito anos, com olhos cansados e
olheiras fundas, resolveu acabar com o mistério e tirar essa história a
limpo."- Ei, você! Desculpa meu mau jeito, mas eu preciso saber como você
consegue." A moça, surpresa , deu um sorriso simpático e perguntou sem
entender "-Como eu consigo o que?" "Ah, como você consegue isso!
Andar reta e não tropeçar. Ser esbarrada e não se incomodar, não fazer cara
feia. Pisam no seu pé e você quem pede desculpa. Seu vestido voa e te deixa
leve. Seu sorriso é paz, mas seu batom te pesa. Não te vi reclamando da fila,
do calor, dos homens. Você só sorri e anda com tranquilidade e segurança. Mas
esses olhos, ah, eles não me enganam, não! Tá vendo os meus? Me faltam
lágrimas. Inundei tudo por dentro de mim já. Durmo poucas horas, fora as noites
que nem durmo. Olho pros lugares e não vejo cor. Independente de quantas
pessoas estejam ao meu redor, estou sempre só. Ele não me ama mais, nem sei se
me amou um dia. E seu olhar não é muito diferente do meu, eu sei. Mas como, me
diz como você faz pra viver em paz e não em dor?" A moça abaixou a cabeça
pela primeira vez no dia, enxugou a lágrima da menina e sentiu o peso de um
desamor em forma de gota. Mas ela já conhecia esse peso, então pegou seu batom
na bolsa e deu para a jovem. "-Sabe, é muito difícil aceitar um fim,
quando o ponto final não parte de nós. Mas qualquer dor é melhor que ficar
sofrendo sempre ao lado de alguém que não reconhece o nosso valor, não faz
questão da gente. E ficar fazendo planos e contando sonhos pra uma pessoa que
não te inclui nem no plano de ir a uma droga de churrasco no fim de semana. E no
início tudo pesa, existir pesa. Mas aí as lágrimas secam e você percebe que
nunca foi amor. Nunca foi recíproco. Aí você adiciona na lista de ilusões e
foca o pensamento em outras coisas, pessoas, em você. E aprende a se amar
sozinha pra nunca mais aceitar ser meio amada e ainda agradecer. Hoje eu ando
em paz, porque não caminho mais só ou pela metade. Sempre me acompanho e, antes
de alguém elogiar meu vestido ou cabelo, eu já o fiz antes de sair. Tá vendo
esse sorriso? Eu protejo com meu batom vermelho e, mesmo sem vontade, sorrio.
Porque minha felicidade é isso, eu, comigo, por mim. E depois que eu entendi
tudo isso, todo o resto aconteceu de forma natural. Então passa esse batom e
nunca mais deixa ninguém roubar essa paz do seu sorriso, porque nunca vale a
pena!" E a moça continuou seu caminho. A menina limpou a última lágrima,
passou o batom vermelho e seu vestido começou a voar.
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